17 Expandindo a percepção empírica do real, Milton Kurtz imprime sólido colorido às figuras humanas, em contras- te às matizes do branco e preto de uma grande cabeça prestes a ser penetrada. Como se não houvesse gravida- de, os quatro corpos, em aparente apogeu físico e, de certo modo, inidentificáveis, têm, em comum, o mesmo destino: o orifício de uma cabeça que se mostra parcial- mente, como em um recorte fotográfico. As cores, em diálogo evidente com a Pop Art, aliadas ao movimento plástico, que reverbera acrobacia ou natação, conferem leveza à imagem, o que, em contrapartida, se choca com o movimento do olho e a inclinação da sobrancelha, que nos remete a certa desconfiança, ou, pelo menos, como nos lembraria Rancière, a alguma “pensatividade”. A linguagem onírica, com sua quebra de regras e sub- versão de arbitrariedades, desvela desejos que se recalcam no inconsciente, tal como postula a teoria freudiana. A interação entre cabeça – vértice nobre de qualquer organismo – e múltiplos corpos emmovimen- to parece metaforizar o humano impulso desejante de estar em contato com o outro –  estar em comum –, em outras palavras, de comunicar-se. Dois sentidos são destacados aqui: visão (tanto por meio do olho como do apelo visual evidente), e audição, ambos essenciais na composição das sentenças, por meio do sentido lin- guístico comunicacional, mas também pela sua acep- ção de juízo crítico. Tal como no sistema auditivo, constituído por duas par- tes: uma externa (a orelha) e outra interna (o ouvido), responsáveis, em conjunto, pela escuta e pelo equilíbrio, na obra há uma bipartição que se desdobra em diferen- tes níveis. A começar pela disparidade entre a cabeça desenhada, ocupando a maior parte do espaço, e os cor- pos, apresentados em escala diminuta. Esquerda e direi- ta, preto e branco e colorido, grafite e acrílica, desenho e pintura: as oposições são persistentes e evidenciam as tensões entre as partes. O mesmo tensionamento que invariavelmente surge entre  interlocutores no confron- to da comunicação.  Se, por um lado, reitera-se prover- bialmente que  ‘cada cabeça é uma sentença’, por outro, se traça o caráter plástico e provisório das formulações subjetivas, que podem, a qualquer momento, se chocar com as sentenças alheias, e, estarem, portanto, sempre passíveis de transformação. Diego Groisman CADA CABEÇA UMA SENTENÇA , 1989 | Pintura, grafite e acrílica sobre papel | 70 x 90 cm

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