19 A Pop Art, movimento artístico surgido na Europa na se- gundametade do séculoXX, mas que acabou consolidado como “a arte tipicamente norte-americana”, se concentra- va nos vãos do desejo coletivo para ironizar ou, em maior parte, exaltar o consumismo. De objetos do cotidiano a corpos sedutores, a pulsão subjacente capturada pela publicidade e tornada mercadoria era o principal motor das imagens e esculturas geradas pelos artistas Pop – em sua maioria jovens, frutos de uma geração que vivenciou a recessão do Entreguerras e o renascimento econômico do Pós-guerra. Décadas depois, o artista gaúcho Milton Kurtz assimilaria em sua obra alguns dos seus preceitos do movimento. In- vestigando a superfície das formas e elevando o corpo a objeto de consumo, ele nos induz através do uso de cores vibrantes e múltiplas camadas de materiais o estado psí- quico ao qual devemos nos aproximar. Em Miss L , de 1984, Kurtz nos apresenta a figura andrógena que nomeia a tela utilizando recursos estéticos que no ano de sua realização já estavam amplamente assimilados pela a sociedade de consumo, ou seja, os efeitos visuais gritantes e contras- tes grosseiros presentes nas Histórias em Quadrinhos, na Street Art e nos videoclipes, com suas insinuações sexuais que até hoje atraem o olhar distraído do cidadão comum. Num claro flerte com a pornografia, a modelo – uma ins- tigante mistura de Elizabeth Taylor e Marilyn Monroe em trajes de Linda Lovelace – é retratada em pose sedutora e com os trejeitos típicos de uma diva de Cinema. Essa influência da chamada Sétima Arte se evidencia ainda mais devido a um elemento aparentemente simples, mas que se destaca nas bordas da imagem: a sombra. É através dela que Kurtz insere um outro personagem na situação, despertando assim a curiosidade do observa- dor e atraindo seu olhar não apenas ao corpo feminino em evidência, mas também para a silhueta masculina que, fora de quadro e portanto apenas sugerido, se faz tão presente quanto o “tema” principal. É importante lembrar que para os artistas Pop o cinema serviu como poderosa inspiração, principalmente àquele que ficou mundialmente conhecido e alcançou status de supers- tar. Em seu trabalho gráfico, Andy Warhol fetichizou corpos (masculinos em sua maioria) nas suas séries de desenhos, pinturas e fotografias, mas principalmente nos ousados experimentos cinematográficos que pro- moveu entre os anos 1960/70. Como bem sabia Warhol, Cinema é propaganda e serve à Cultura de Massa tanto quanto a publicidade, e se vale das mesmas regras para alcançar seus objetivos. Em Miss L , o olhar lânguido que a “protagonista” reve- la enquanto, de lábios entreabertos, interage com seu “parceiro de cena” expressa muito da curiosidade des- pertada pelo que não se pode ver ou tocar. Talvez hoje, em tempos da ArtPop de Lady Gaga e com um públi- co constantemente bombardeado pela pornografia ao alcance de um clique, esta obra pareça um tanto trivial e até mesmo fria tal qual uma Esfinge. Porém, se consi- derarmos que recentemente tivemos, aqui mesmo em Porto Alegre, uma mostra inteira que, patrocinada e le- vada ao público por uma poderosa instituição financeira (mostra essa, aliás, que continha outra tela do próprio Milton Kurtz) e que foi cancelada devido à pressão de membros de partidos e/ou milícias conservadoras que pouco ou nenhum interesse têm por obras artísticas; se levarmos em conta que essa censura ocorreu no mesmo Brasil cuja ultraexposição de corpos é mercadoria bási- ca em qualquer programa ou comercial de TV, podemos então ter uma noção mais exata do poder que a suges- tão transformada em objeto artístico ainda possui, e do seu perene e avassalador efeito na mentalidade de uma sociedade historicamente reprimida. Diones Camargo MISS L , 1984 | Pintura, grafite e acrílica sobre tela | 74 X 89 CM

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