23 MULHER ONÇA , 1984 | Grafite e acrílica sobre papel | 94,5 X 64,5 cm acervo do Museu de Arte Contemporânea do RS “O corpo é a forma escondida do ser próprio”: sugiro que tal citação de Merleau-Ponty seja o ponto de parti- da em nossa aproximação à produção de Milton Kurtz. É na revelação de sensações tão íntimas, obscuras, que se colocam em xeque o pudor e o despudor – a expressão daquilo que se entrega facilmente à percepção do outro ou de tudo que é omitido em uma proposital negação do sensível. Quando os corpos expõem-se sensuais, em nada entre- gam-se passivos. O dorso masculino tem seus músculos rijos, na latência de uma ação. Quando teatralmente vestidos, em contradição, nada escondem. A postura elegante não despista o olhar me- lancólico; Um forte tragar antecipa o derradeiro suspiro. Como arquétipos, os personagens retratados na obra Mulher Onça (1984) encenam modelos primeiros, mi- tos de uma femme fatale e de um deus grego. Seguin- do a sugestão junguiana, surgem as noções de Anima e Animus: constituem as partes reprimidas do sexo oposto contidas em nossa psique. Todos nós carre- gamos nossa contraparte sexual, arquétipos das ex- periências ancestrais do masculino e do feminino. O inconsciente do homem encerra uma personalidade interior feminina: a Anima; no inconsciente da mulher, uma personalidade interna masculina: o Animus. Quem está aberto à sua própria verdade? Em 2018, fui um dos convidados a lançar um olhar so- bre Mário Röhnelt, na primeira edição do projeto “Se- leção Ecarta”: destaquei que a imagética desse artis- ta age como lâmina afiada, abre fendas, superexpõe intimidades desenquadradas-desajustadas e – hoje, ainda, tão potente – a invisibilidade de identidades. É indiscutível a similitude da produção de Röhnelt e Kurtz, assim como o emprego de tais conceitos poderia igualmente descrever ambas trajetórias. Mas em Milton Kurtz, arrisco, o melodrama ganha notas mais intensas: o imaginário é mais feérico, a viagem mais lisérgica, a na- valha é mais agressiva. Henrique Menezes