25 Ao analisar as obras de Milton Kurtz, sou tomada por uma curiosa sensação de estranheza e familiaridade – quase o Unheimlich freudiano. O convívio com algumas de suas obras estabeleceu um curioso vínculo afetivo quan- do criança, pois eu as percebia como se resguardassem um segredo. Em uma delas, eu achava serem meus pais fumando – um tabu familiar. Em outra, ao lado de uma mulher nua, imponente e despreocupada, uma dançari- na de vestido azul – cujo rosto lembrava, em minha per- cepção infantil, o de minha mãe – girava vigorosamente contra um intenso fundo amarelo. As mulheres de Milton Kurtz tinham frequentemente um ar desafiador, traziam a imagem feminina que vinha des- pontando no final dos anos 70 (solidificada pelas icôni- cas fotografias de Helmut Newton), explícita nesta série de desenhos: mulheres elegantes e musculosas, sensuais e agressivas, que parecem encarar provocadoramente o espectador. Embora não seja uma série propriamente dita, estes quatro desenhos são contemporâneos e com- partilham da mesma gramática, notadamente o conflito duotônico entre formas geométricas (remetendo à es- tampa xadrez incorporada pelo punk) e figuras humanas que parecem personagens de histórias em quadrinhos, tanto pelos traços (as mulheres de “Grupo no Treino” pa- recem saídas de uma tira do Spirit ) quanto pela sugestão de narrativa que evocam – mas que nos escapa, como um voyeur que se depara com uma cena, sem ter acesso ao seu contexto. Ou então, como em “A Dama e o Gari”, MATRIX , 1978 | Desenho, grafite e nanquim sobre papel | 48 x 30 cm A DAMA E O GARI , 1978 | Desenho, grafite e nanquim sobre papel | 48 x 30 cm
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