33 Milton Kurtz produziu uma poética com forte dimen- são erótica e desejos fetichizados. Para isso, se valia de elementos da cultura pop, do cinema, da publicidade, do esporte, do futebol. Em vários de seus trabalhos, há uma tensão provenien- te do corpo em contraste às cores vibrantes e formas que conduzem o olhar. Isso se observa em Eixos 2 . O rapaz, desenhado com grafite, expressa um rigor formal tão próprio da primazia que o artista oferece ao corpo, em dissonância com os outros elementos da obra. Neste jogo cromático, nesta articulação de inten- ções aparentemente imiscíveis, a forma humana vence a clausura da bidimensionalidade. Há sentidos ambíguos, leituras tantas. Corpo em contraste, em evidência, sobre um fundo. Corpo objeto, corpo desejo, corpo feto de olhos cerrados. Corpo em movimento, em gesto, em queda, em vôo, largado. Corpo mergulhado na ausência da água, congelado na intenção fotográfica. Flutuando no ar convertido em vácuo, emulando a jogada da paixão nacional, tombando no gramado. E o mistério do traço vermelho alinhado à boca. EIXOS 2 , 1984 | Técnica mista, grafite e tinta acrílica sobre papel | 69 x 98 cm Acervo Museu de Arte Contemporânea do RS Além da centralidade do corpo, há uma premência de significados que se insurgem ao olhar mais incauto – estratégia de artista cuja obra trata de prazer, conflito e transgressão. Neste trágico presente de cerceamento da cultura le- trada, perseguição da expressão artística e condenação do gozo, de ameaças à diversidade de pensamento e conduta, é oportuno e urgente celebrar um artista cuja obra não reprime a pulsão do desejo ao alargar as pos- sibilidades de gênero e identidade. Vitor Necchi
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