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EDUCA SESC 8 2018 Temos que pensar a formação continuada sempre a partir de uma reflexão do coletivo de professores na escola. Esse espaço é muito parecido com o que significa os hospitais universitários para os médicos. Do hospital universitário, que não deixa de ser um pouquinho da universidade, espera-se que seja um lugar onde há mais pesquisa, mais capacidade de reflexão e mais inovação, do ponto de vista clínico. No fundo, o que se está tentando fazer é, sem ser no espaço físico, uma rede que desempenhará para a formação de professores a mesma função do hospital universitário para os médicos. Eu considero isso essencial para mudarmos o sistema educacional. Se a UFRJ conseguir levar isso em frente, será uma referência na formação de professores no plano mundial. É uma ruptura enorme que implica uma grande energia interna, com os poderes tradicionais, as escolas estaduais. Tem uma dimensão política muito forte. Será uma coisa extraordinária, se tiver continuidade. QUE PAPEL A FALTA DE AUTONOMIA DOCENTE EXERCE NOS BAIXOS ÍNDICES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, EM COMPARATIVOS DE DESEMPENHO COM PAÍSES DESENVOLVIDOS? Acho que isso é uma das razões, mas há também questões históricas, sociais, culturais, de muita ordem, e temos que ter muito cuidado para não ter um discurso de culpar os professores. Antes dos professores, tem as políticas educativas, os investimentos. O conhecimento desses fatores deve nos servir para termos uma melhor consciência das coisas, mas não servir como desculpa, porque, se não se pode fazer nada, todos vamos embora, seguir outra profissão. Quando falamos no que os professores podem fazer, um aspecto central tem a ver com a autonomia também da escola, que deve ter uma determinada autonomia para se organizar. Obviamente, tudo que eu falar sobre os ambientes educativos, se a escola for obrigada pelo Estado ou pelo município a distribuir o trabalho dos professores por disciplina, se cada professor tiver que dar tantas horas de aula e outras imposições, não é possível. Se a escola não tiver autonomia para reorganizar o tempo de serviço dos professores e os professores não tiverem autonomia, tudo isso é uma ilusão. O que está acontecendo no Brasil é muito preocupante, porque o país tem tradicionalmente uma estrutura burocrática muito forte na carreira docente, em que os professores são obrigados a cumprir um conjunto de tarefas, com pouca possibilidade de sair desse padrão burocrático. Em cima dessa burocracia, tem uma espécie de constatação geral que os professores são mal preparados, que não têm conhecimentos suficientes. Que são frágeis, não têm competências. Cresceu em cima dessa burocracia um tipo de negócio de preparar materiais, programas, coisas para que os professores não façam “asneiras”. Como se diz em Portugal, se prepararmos a papinha toda, e colocarmos certinho nas mãos dos professores livros, materiais didáticos e apostilas, eles seguem aquela cartilha, não necessitam pensar muito e não fazem asneiras. Isso é trágico porque é um negócio imenso que reduz a autonomia dos professores. Isso está acontecendo muito em países africanos. Grandes fundações, entre elas a do Bill Gates, instalam todos os materiais didáticos em pequenos computadores e entregam aos professores. O argumento de que os professores são mal preparados e é preciso dar uma controlada no trabalho é até válido em um curto prazo. No médio prazo, destrói completamente a profissão docente, o professor passa a ser um técnico, um aplicador de tutoriais. Temos que pensar a formação continuada sempre a partir de uma reflexão do coletivo de professores na escola e criar os instrumentos para que seja possível ensinar, em vez de inventar discursos e disponibilizar materiais. Vamos colocar a nossa energia para decidir como melhorar e como criar condições compatíveis com a realidade de cada escola, com uma rotina de trabalho coletivo, criar pensamentos, trazer alguém que possa contribuir, discutir. Isso deveria ser o foco da formação continuada. Claro que é mais fácil um pequeno grupo de burocratas decidir em 15 minutos a criação de 100 cursos, com lista dos contatos, espanhóis, portugueses, americanos... Não é este caminho. QUAIS OS GARGALOS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E O RISCO DE SE RETIRAR DO CURRÍCULO DISCIPLINAS COMO ARTES E FILOSOFIA, POR EXEMPLO, EM DETRIMENTO DE UM ENSINO MAIS TÉCNICO, PROFISSIONALIZANTE? Sempre que pensarmos na área de educação ou pedagogia ou a escola a partir de uma dicotomia as coisas correm mal. A dicotomia teoria-prática não faz nenhum sentido. Há muita teoria que é pratica e muita prática que é teórica. Não faz sentido essa espécie de oposição entre o acadêmico e o técnico profissional. O que hoje importa é aprender as linguagens, é o que permite ler, interpretar e estar no mundo. Imaginar um ensino médio em que as matérias relacionadas com a filosofia não têm uma grande importância é completamente absurdo. Na última reforma educativa francesa, apenas uma matéria é obrigatória em todas as áreas: a filosofia. E não deixa de ser curioso. Hoje, nos Estados Unidos, entre as grandes universidades, as mais clássicas, incluindo a da Pensilvânia, Harvard, a que se destaca pelo departamento de Artes, Humanidades e Ciências Sociais é o MIT (Massachussetts Institute of Technology), que é uma escola de engenheiros. Eles sabem que não é possível engenharia sem a dimensão filosófica, social etc. Essas oposições entre parte acadêmica e parte profissional e conteúdos mais culturais ou mais sociais não faz sentido nenhum. Costumo dizer, enganam-se todos aqueles que acham que a missão de um professor de matemática é ensinar matemática. Não é. A função de um professor de matemática é formar um aluno através da matemática. E dizer isso não é dizer que a matemática não interessa. Estou dizendo que não há formação do aluno sem matemática. Mas a missão do professor é formar o aluno e não ensinar matemática. Quando dizemos isso, estamos juntando as dimensões do conhecimento com as dimensões sociais, as dimensões pessoais, da formação. Outra dicotomia que para mim é insuportável é entre conteúdos e cidadania. Cidadania são os conteúdos e conteúdos é a cidadania. Irritado com esta dicotomia, uma vez fiz uma palestra em que o título era: Não há cidadania sem matemática. Precisamos compreender as questões básicas da aritmética, do raciocínio lógico para sermos cidadãos. Quando falei anteriormente em projetos, me referia à maneira como a

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