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17 “Seu pai tem uma força sobre-humana, é um orangotango do lado de fora, mas deve ter sido recheado com gelatina antes de nascer. Como seu irmão, Tom”, mamãe me dizia, sempre que Tom estava pelos cantos, chorando por alguma rispidez ocorrida durante o dia. E a rispidez nunca tirava folga nos nossos dias. Se eu não emitisse qualquer comentário, o que era muito comum, ela repetia o diagnóstico ao meu pai, caso ele esti- vesse por perto. “Seu filho mais velho pode ser um rapaz forte, mas não tem nenhuma fibra entre os músculos. Chora como uma menina”, ela dizia. Provavelmente também falava coisas as- sim sobre mim, quando eu não estava por perto. Depois do acidente, meu pai nunca foi o mesmo. Inven- tava gripes, dores de cabeça, vômitos, qualquer coisa que lhe garantisse um atestado médico para não trabalhar. Fi- cou obcecado pelo exercício de manter fresco cada deta- lhe do episódio trágico. Quando bebia antes de voltar para casa, o que se tornava cada vez mais frequente, descrevia a mim e Tom o quão difícil fora recolher seu colega desos- sado e jogar tudo dentro da bolsa preta trazida pelos caras da ambulância. Às vezes, dizia que pareciam os retalhos com que se edifica um churrasco grego. Eu já tinha vis- to caras vendendo churrasco grego, perto do terminal de ônibus, e parecia mesmo uma coisa asquerosa. Em outros casos, falava que era quase como encher um carrinho de obra com cimento recém misturado, fresco. A única dife- rença eram as roupas, os sapatos, as cordas, dizia meu pai. Além da cor, claro, o que sobrou dele, o colega azarado ou descuidado, fora só uma massa de cimento molhado, só que vermelho em vez de cinza. “E também tem o negócio do cheiro. Não só o cheiro do sangue ainda quente. Um homem desmanchado fede mui- to, entendem? As entranhas se abrem, rasgam como a pele que cobre a linguiça e dali saem todas as imundícies que carregamos dentro da barriga entre a hora da refeição e o momento de ir ao banheiro, entendem?”, ele explicava a mim e a Tom, os olhos redesenhados pelos comprimidos de