Revista Sesc Arte e Educação 2024
36 Revista Sesc de Arte Educação vol.4 2024 folhas secas de pata de vaca, pláta- no e abacateiro), caxixi, maracás do povo guarani e base de violão toca- da e gravada pelo Grupo PiÁ no stu- dio caseiro de Duda Cunha. Na voz principal, professora Paula Cristiana Emcke, percussão de Duda Cunha, violão com Matheus Camilio Viana, coro constituído por Paula Cristia- na Emcke, Dulcimarta Lino, Duda Cunha. Resultado da aproximação das crianças, professoras e Grupo Piá com os Kiringué mboraí (cantos das crianças) apresentados no livro Yvý Poty, Yva’a/ Flores e Frutos da terra: cantos e danças tradicionais Mbyá Guarani (Lucas; Stein; 2012); de inúmeras narrativas da ances- tralidade indígena escutadas pelas crianças nas aulas de música ins- piradas no livro bilíngue português- -guarani Nhandereko Kue Kyringue’ í Reko Rã: nossas histórias para as crianças (Menezes, et all, 2015) e da convivência com o cacique Vherá Poty do tekoa Jekupe Amba, Mbyá Guarani em São Gabriel, RS. Apresentação do contexto e sinopse da obra: Na língua Mbyá Guarani, Arandu pode significar ouvir o tempo da sabedoria. O Projeto Barulhar tem construído tramas para enredar os povos originários que moram no nosso quintal, bem pertinho da escola de educação infantil. Para tanto, realiza práticas pedagógico- -musicais enredadas nas águas de nosso Rio dos Sinos em São Leo- poldo, transportando-nos para o fenômeno dos rios voadores que abastecem as cabeceiras dos gran- des rios brasileiros, possibilitando a diversidade da existência. Professo- ras e crianças banharam-se nas ver- tentes ancestrais de nossa cidade. O passeio às margens do Rio dos Sinos, conhecendo sua natureza; a investigação de nosso pátio e bairro; a contação de narrativas indígenas guaranis, através da escuta sensível que toca o mundo são ações que alicerçaram a composição Xengo. Nesse processo, a palavra brinque- do “xengo” emerge como força gera- dora, corpo em oralidade que escuta sussurros do rio. Mas, o que o Rio dos Sinos sussurra? Que cosmo-sô- nicas encontramos no fluir de suas águas? Que diálogos são travados entre a biota e a cidade? Ailton Kre- nak afirma: “SEMPRE ESTIVEMOS PERTO D’ÁGUA, MAS PARECE QUE APRENDEMOS MUITO POUCO COM A FALA DOS RIOS” (2022, p.13) . É preciso voar com o rio, cantar e respirar com ele. Xengo ro goro ê surge no contexto coletivo da sala de aula, em roda. Marca da coleti- vidade que inventa palavras brin- quedo para expressar a energia vital presente no encontro com o outro. É palavra inventada, conec- tada à ancestralidade. Sem querer representar, nem significar um co- nhecimento determinado, a palavra brinquedo “xengo” FAZ SENTIDO à nossa escuta! É movimento estési- co que sinuosamente pretende in- tegrar o urbano ao meio natural. As crianças brincam com a sonoridade da palavra “xengo” inúmeras vezes, fazem rimas, invertem acentos, pro- vocam silêncios, intensidades e du- rações. Ampliam o sentimento de pertencimento, cuidado e transfor- mação cidadã. As crianças tocam o corpo-território e são tocadas pelas sonoridades próximas. Assim como curupira (o protetor das florestas), o corpo de criança trava conversa- ções em criação com a convivência na sua cidade, tatuando a natureza que ela reserva, carregada da sabe- doria coletiva dos povos ancestrais. São guaranis, xoklengs, kaigan- gues, charruas. Vivem no Sul. Xengo ro goro ê é nosso grito de resistência à luta pela demarcação de terras, porque é impensável viver sem a coletividade e sem um terri- tório. Em roda, as crianças em seu tekoá (casa) jogam frases na estru- tura melódica inventada como estro- fe da canção: Xengo ro goro ê. En- toam duas vezes o refrão e a partir daí vão elencando diferentes frases cantadas, revelando as palavras an- cestrais indígenas que escutam em seu cotidiano (a onça pintada, a ma- ria-faceira, o curupira e a cutia; bem pequeninhos sim, bem bonitinhos sim). Insistem com os diminutivos nos finais de frase, tão comuns no cardápio musical oferecido às crian- ças na escola de educação infantil. No encontro semanal de forma- ção em educação musical, a pro- fessora Paula entoa a melodia das crianças e nos provoca a tocar em performance. Vamos juntos colo- cando outras materialidades so- noras, e textos sem diminutivos na canção, do mesmo modo que a natureza não distingue grande e pequeno. Estamos fazendo música pra todas as gentes, sejam grandes e pequenas. Recordamos nossa ter- ra, nosso chão, nosso solo, a natu- reza em nós.
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